quinta-feira, 17 de outubro de 2019

HISTÓRIAS DE REMADOR: A PONTE QUEIMADA DO RIO JACUÍ

 POR RICARDO BRUM em EXPEDIÇÃO JACUÍ 385 KM


Em 2017 durante a etapa de pesquisa e preparação da logística para a expedição “Jacuí 385 km de Remo”, encontrei referências de uma ponte antiga em ruínas que eu nunca havia ouvido falar. Citada apenas como ponte de Don Pedro e ponte Queimada, mas sem nenhum registro de localização, tornou-se um objetivo a ser explorado durante o percurso de remada.
No planejamento da expedição, mapeamos diversos locais pitorescos, históricos e geralmente esquecidos que pretendíamos visitar. Uma grata surpresa aconteceu no nosso terceiro dia de remada, que tinha como meta chegar ao Passo de São Lourenço , antigo local de travessia do rio pelos Jesuítas e suas caravanas, onde deveríamos pernoitar na casa de apoiadores da nossa aventura.
E foi neste trecho que após cruzarmos a ponte ferroviária sobre o rio, numa curva poucos quilômetros abaixo nos deparamos com enormes pilares antigos abandonados, feitos de pedra gres, caprichosamente trabalhados e encaixados.  Seria ali a antiga ponte histórica?


Para esclarecer isso paramos logo abaixo em uma velha balsa de travessia ainda em atividade. Conversando com o balseiro, um senhor muito camarada, com as marcas do tempo esculpidas em seu rosto, reporto sobre nossa expedição, das histórias do rio que eu vinha resgatando e ele fica fascinado e começa a contar a história do lugar. O papo evolui, ajudo-o na operação de travessia com a balsa pelo rio enquanto  o amigo Beto Virote reboca meu caiaque até a margem oposta.
O velho balseiro de nome Guinho muito entusiasmado nos convida para subirmos até sua casa onde nos mostra um documento sobre a ponte, nos conta muitas histórias da região, dos objetos achados, das assombrações e das peleias ocorridas. Chegando a casa simples logo acima do barranco do rio ele busca umas folhas impressas enviadas por um historiador que passou por ali anos atrás pesquisando sobre o local e a história da ponte. Seu Guinho guarda o documento como um troféu, cheio de orgulho e nos mostra complementando as histórias contadas.


A ponte foi construída na década de 1840 para passagem da comitiva de Don Pedro II, com pilares de pedra e parte superior em madeira.  Alguns anos depois durante alguma peleia de revolucionários na região, a ponte foi incendiada para que os inimigos não a utilizassem. Mas tarde a estrutura da ponte foi avaliada e concluíram que não valia a pena reconstruir, pois diziam que os pilares não resistiriam. Hoje cerca de 170 anos depois ironicamente os pilares estão ali, firmes, fortes e cheios de histórias.


Outra surpresa neste encontro foi o inusitado animal de estimação na casa de seu Guinho, um pequeno graxaim que convivia com seus filhos no pátio. Que manso e brincalhão mordiscava minha mão com seu dentes pontiagudos de cão selvagem até furar a luva de remada.


Partimos remando rio abaixo e deixamos seu Guinho na velha balsa esperando seu próximo cliente para atravessar o velho rio, debruçado no corrimão amarelo, fumando seu palheiro. Pensativo, agora com mais uma história para contar dos quatro caiaqueiros malucos que remaram 385 km no Jacuí.

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